Dr. Marcelo Leitão e Dr. André Pedrinelli, diretores da SBMEE, falam sobre exercícios na água, para a Veja Saúde.

Dr. Marcelo Leitão e Dr. André Pedrinelli, diretores da SBMEE, falam sobre exercícios na água, para a Veja Saúde.

Reportagem: https://saude.abril.com.br/fitness/exercicios-na-agua-mergulhe-nessa/

Nadar deixou de ser o único verbo regido por quem gosta de se exercitar debaixo d’água.

Hoje dá para correr, pedalar, se alongar e até fazer posturas de ioga dentro da piscina ou em cima de uma prancha na praia.

É líquido e claro: as modalidades aquáticas, praticadas em academias, clubes ou mesmo no mar, vivem um processo de diversificação e popularização. Pudera: com um calor desses, nada melhor do que unir o útil dos movimentos com o agradável dos esguichos.

Diante da necessidade (e da oportunidade) de tornar as piscinas tão atraentes quanto as salas de musculação e as arenas esportivas, surgiram adaptações de atividades originalmente concebidas para terra firme, caso da hidrobike e do biribol, o vôlei aquático.

Sim, foi-se o tempo em que só havia espaço para natação e hidroginástica. Agora as pessoas procuram treinos de força na água, aulas de surfe em piscinas com ondas e até o ketball, uma mistura de squash com beach tênis jogada no rasinho com uma rede no meio.

Mas o que explica essa onda? Fora o calorão que acompanha as mudanças climáticas, o médico do esporte e ortopedista André Pedrinelli credita o avanço na oferta a inovações de mercado para fisgar praticantes.

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“Entre chegar, trocar de roupa, entrar na água e tomar banho, muita gente achava que perdia tempo demais na piscina em comparação com a academia comum”, avalia o professor da Universidade de São Paulo (USP).

Solução: encontrar outras iscas para o povo mergulhar e cumprir esse ritual.

Os precursores foram os esportes em equipe, como polo, vôlei e basquete aquático, que nem exigiam grandes adaptações no ambiente. Mas práticas individuais foram ganhando espaço, com direito a surfe no meio da cidade.

Quer algo mais suave e bacana para aprimorar o equilíbrio? Sessões de ioga na água podem ser uma boa pedida. Prefere uma prática mais dinâmica capaz de queimar calorias? Que tal o HIITAQ, sigla em inglês para treino intervalado de alta intensidade na água?

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O que você precisa saber antes de começar! (Ilustração: Rafaela Pascotto/Veja Saúde)

Uma revisão de estudos conduzida por pesquisadores noruegueses acaba de concluir que a versão aquática do HIIT, famoso nos circuitos tradicionais em solo, é tão efetiva para pessoas que convivem com doenças crônicas (diabetes, hipertensão…) quanto o treino original.

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Contudo, as modalidades que mais carregam evidências de benefícios à saúde, talvez por serem justamente as mais praticadas e estudadas, são a natação e a hidroginástica.

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), experimentos buscam saber que perfil mais tiraria vantagem das aulas de hidro — o destaque, por ora, vai para idosos com artrose no joelho, obesidade e Parkinson.

“Para essas condições, o meio aquático é a única forma de realizar um treino mais intenso sem o impacto nas articulações”, resume o educador físico Paulo Cesar Bento, líder das pesquisas.

A mecânica de caminhar ou fazer ginástica é a mesma fora e dentro d’água, mas as variáveis de cada ambiente modulam os efeitos no corpo.

Devido ao empuxo da água, ficamos mais leves, o que interfere na percepção de esforço: você exige mais dos músculos sem notar e seu corpo responde a esse empenho intensificando os batimentos cardíacos e a circulação.

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Nesse modo “consumo de energia”, o coração aumenta a produção do peptídeo natriurético atrial, molécula que participa da queima de gordura.

Ao mesmo tempo, a resistência da água requer um esforço extra: ou seja, você está trabalhando mais os músculos e as articulações sem sentir o baque e os impactos que poderiam levar a lesões.

“Tanto nas sessões de hidroginástica como nas de HIITAQ, é possível alcançar uma frequência cardíaca intensa sem o desconforto e a pressão nas articulações. Se fizessem o mesmo exercício fora da água, muitas pessoas simplesmente não conseguiriam”, observa a educadora física e pedagoga Maria de Fátima Aguiar Lopes, doutora pela UFPR.

E não pense que é preciso passar dos 50 para tirar onda disso. A pesquisadora desenvolveu um estudo com o treino intervalado dentro da piscina recrutando adolescentes com obesidade entre 12 e 17 anos.

Eles foram avaliados antes e depois de três meses de exercícios. Além da redução no índice de massa corporal (IMC), métricas como taxa de metabolismo basal e níveis de colesterol também melhoraram.

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Os achados evocam a já citada revisão norueguesa publicada no braço de medicina esportiva do British Medical Journal. Segundo o artigo, pessoas com condições crônicas, como doenças respiratórias ou cardiovasculares, se saem bem com o HIITAQ, com a vantagem de poder praticar algo que provavelmente não seria indicado fora da piscina — a pesquisa levou em consideração dados de 868 pessoas que praticaram pelo menos seis semanas de treino intervalado aquático.

A capacidade respiratória também tem o que comemorar. Assim como o músculo cardíaco, os pulmões são pressionados quando estamos com o tronco submerso.

Então, no momento de expirar o ar, é preciso imprimir mais potência, o que fortalece a dupla pulmonar. A benesse é tão conhecida e respaldada pelos médicos que a natação virou recomendação para asmáticos.

Já reparou que uma porção de atletas olímpicos começou a cair na água para enfrentar, quando pequenos, as crises de asma? Medalhistas como o brasileiro César Cielo fazem parte desse time.

“Conseguir respirar no meio aquático é um treino que modifica a capacidade respiratória por completo, já que você precisa expirar o ar contra a resistência da água”, descreve Bento.

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Para compensar tanto esforço, um relaxamento: a pressão hidrostática funciona como um massageador natural da musculatura, favorecendo o que os cientistas chamam de “reeducação circulatória” das pernas.

“É o casamento perfeito. Temos os benefícios da imersão e do exercício combinados”, afirma Ana Kanitz, doutora em ciências do movimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os frutos dessa união? Melhora do condicionamento, aumento de força, ganho de mobilidade e equilíbrio… Dentro e fora da água.

Tantos trunfos, é claro, exigem dedicação e regularidade. Máxima que se aplica a qualquer modalidade, na água ou no solo.

“A atividade física só começa a ser prazerosa depois de um tempo, algo ao redor de um mês, e a partir daí vêm os resultados”, esclarece Pedrinelli.

Mas, nesse quesito, os esportes aquáticos saem na frente. O simples fato de estar submerso induz o corpo a liberar hormônios com propriedades anti-inflamatórias, tornando o processo de adaptação ao exercício menos doloroso do que fora d’água.

Apesar de associarmos água com verão, as modalidades aquáticas na piscina não são necessariamente refrescantes — nem devem ser. A temperatura da piscina deve estar amena: cerca de 24°C para a natação e 30°C para a hidroginástica.

O ajuste no termômetro é necessário para controlar a perda de calor corporal. No ambiente seco, transpiramos como forma de aliviar o esforço físico. Na água não é bem assim. O organismo dissipa o calor naquele meio.

De modo que, se a piscina estiver fria além da conta, o corpo precisará de empenho extra para manter o equilíbrio térmico e poderá ser alvo de uma sobrecarga.

“Nesse cenário, o sangue se concentra mais nos órgãos vitais e menos nos músculos, prejudicando o rendimento”, avisa Bento. Não é à toa que as modalidades esportivas em mar aberto não costumam ser indicadas a iniciantes.

Quem pula de cabeça nos exercícios aquáticos também precisa se munir de alguns cuidados. Um deles é botar a pressa de lado para se adaptar ao estado pós-exercício — e não só pelo risco de escorregar no piso na saída.

“Na natação, que é praticada na horizontal e costuma ser intensa, quando você para e fica em pé, uma alteração brusca na pressão arterial pode causar tontura e perda de consciência”, diz o cardiologista Marcelo Leitão, que acompanhou a delegação paralímpica nacional nas competições de Sydney (2000) e Atenas (2004).

Outro ponto de atenção diz respeito ao cloro e demais produtos utilizados no tratamento da água.

Embora não exista um consenso cristalino a respeito, o pneumologista Sérgio Pinto, professor da UFRGS e ex-atleta olímpico, sugere observar como o corpo reage aos componentes presentes na piscina após os treinos.

Ele mesmo nunca sentiu nenhum incômodo, mas há quem reporte piora em quadros alérgicos e respiratórios — para driblar esses riscos, hoje alguns estabelecimentos tratam a água com sal marinho ou ozônio.

O que todo mundo concorda é que, especialmente na presença de doenças crônicas, cabe escutar o médico e o treinador antes de eleger a modalidade ideal, E, de passo em passo bem molhado, evoluir nas braçadas, caminhadas ou pedaladas sob as águas.

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(Ilustração: Rafaela Pascotto/Veja Saúde)

NATAÇÃO

O mais famoso, praticado e difundido dos esportes aquáticos é também o mais completo em termos de benefícios ao corpo: reduz impacto nas articulações, melhora a circulação e a capacidade respiratória e trabalha vários grupos musculares.

Diferentes estilos de nado turbinam músculos específicos, dependendo do objetivo. A modalidade demanda esforço físico, e uma temperatura da água mais fria do que as de hidroginástica, em torno de 24 a 27°C.

Não é recomendada para pessoas com insuficiência cardíaca, pois exige bastante do coração. A frequência cardíaca média de quem nada fica acima dos 150 batimentos por minuto, elevada para quem tem condições do gênero.

Para pessoas com quadros respiratórios, como a asma, o esporte é indicado, sim, mas cobra cuidados. “Evite choques térmicos na saída da piscina. Eles podem causar problemas entre indivíduos alérgicos e mais sensíveis às variações de temperatura”, diz o pneumologista Sérgio Pinto.

HIDROGINÁSTICA

Apesar do rótulo de ser ideal para idosos e gestantes, a hidroginástica é bem democrática e pode inclusive ser intensa.

São atividades feitas em grupo, com músicas e instruções do professor, que contam com flutuadores, boias de espaguete, pranchinhas e halteres. Os alunos intercalam alongamentos com exercícios aeróbicos e de força.

A temperatura da água tende a ser mais quente, ficando próxima aos 29°C. Não tem como fugir: o corpo humano precisa desse calor para se sentir confortável durante a prática.

Não faltam benefícios com aulas regulares de hidro, mas dois são vistos como os principais: os ganhos na circulação sanguínea dos membros inferiores (por ser praticado em grande parte em pé dentro da piscina) e no equilíbrio através do ganho de massa muscular.

Em uma sessão puxada, o aluno chega a perder 500 calorias, índice na cola da média de 600 calorias da natação.

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(Ilustração: Rafaela Pascotto/Veja Saúde)

TREINO AERÓBICO DE FORÇA

O treino intervalado de alta intensidade na água (HIITAQ) ainda não está entre as modalidades mais populares, mas tem tudo para deslanchar. É um dos estilos que melhor usam o empuxo da água a favor do atleta — páreo duro para a consagrada natação.

As sessões englobam exercícios que alternam ritmos intensos e mais leves, utilizando a resistência da água e o peso corporal como carga. Também pedem que o praticante fique boa parte do tempo na vertical, otimizando a circulação nas pernas.

Como o HIITAQ depende de picos de esforço físico para evoluir e atingir os resultados, convém checar a saúde cardíaca antes de se jogar na piscina.

Para evitar que o metabolismo se acostume e o condicionamento e o ganho de massa muscular estacionem, é recomendado que os treinos aumentem de intensidade e velocidade com o passar do tempo.

WATER YOGA

Até a milenar ioga caiu na água. As ásanas, nome dado às posturas clássicas, exigem equilíbrio em qualquer ambiente, mas, dentro da piscina, o peso do corpo é anulado, com a vantagem de evitar quedas e torções — limitação eventualmente apontada na prática em solo.

Não são todas as posições que podem ser executadas, claro. Porém, dá para realizar desde posturas como a da árvore como contar com o auxílio de boias e pranchas.

A water yoga é indicada para aquele perfil que quer algo a mais que um exercício físico.

Às ásanas aliam-se os pranayamas (o controle da respiração) e os recursos da meditação e do agradecimento. Em sânscrito, “yoga” significa “união” — do corpo, mente e espírito. O relaxamento proporcionado pela água, dizem os especialistas, favorece esse matrimônio.

A ioga também pode ser praticada sobre a prancha em piscina ou mar calmo — algo mais indicado aos iniciados.

SURFE NA PISCINA

Essa versão do esporte imita as características da prática no mar em um ambiente mais seguro e controlado.

É válido lembrar que existem dois tipos de piscinas de ondas, e cada uma estimula o corpo de forma diferente. No mais difundido, a água se comporta de forma semelhante a uma correnteza, o que induz o atleta a treinar o equilíbrio e a força dos membros inferiores sobre a prancha.Embora seja uma atividade física, esse modo costuma ser mais visto em ambientes de lazer, como parques aquáticos e cruzeiros.

O outro modelo, menos comum no Brasil, simula as ondas de forma mais realista, e exige muito dos braços, músculos dorsais, membros inferiores e abdômen. A tecnologia ainda não consegue reproduzir com perfeição os grandes tubos que os surfistas profissionais rasgam nas competições, mas pode servir como uma preparação para o surfe no mar — a despeito da idade de quem vai se aventurar.

ESPORTES COLETIVOS

Com exceção do polo aquático, que surge a partir de uma mistura entre futebol, rúgbi e natação, a maioria das modalidades aquáticas em equipe é uma adaptação da versão homóloga praticada em terra, como biribol, ketball e basquete.

O basquete aquático segue a mesma lógica de encestar a bola (impermeável). No vôlei na água (ou biribol), o objetivo é fazer a bola cair do lado do adversário. Até aí tudo quase igual, incluindo a infraestrutura das piscinas, que não precisa de muitas mudanças para se tornar adequada para esses esportes.

A sacada está na movimentação submersa, que passa por uma resistência maior conforme a área de contato e profundidade.

Tirando o ketball, em que os jogadores ficam submersos só até o joelho, nos demais grande parte do corpo fica dentro da água, e a resistência funciona com uma carga natural, exigindo um gasto energético maior.

Para praticar no mar

As opções para quem mora no litoral ou tem acesso fácil a praias exigem mais experiência, cautela e orientação

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(Ilustração: Rafaela Pascotto/Veja Saúde)

Mergulho
Exercita toda a musculatura do corpo, com foco nos tríceps e nos ombros. Como é necessário racionar o oxigênio, o sistema respiratório é recrutado o tempo todo. A prática envolve diferentes etapas e tipos, com cilindro ou controle da respiração.

Surfe
O esporte olímpico por trás de toda uma cultura requer condicionamento, força, coordenação, equilíbrio e resistência. Apesar de não ficar o tempo todo com o corpo submerso, o surfe é considerado um treino para o corpo inteiro. Mas cobra prudência.

Windsurf
Uma mistura de vela com surfe na qual o atleta controla os movimentos do mastro através de uma barra. Exercita muito pernas, costas e braços. Lembre-se de prestar atenção na posição correta da lombar para evitar dores e torções. Só dá para fazer após instrução.

Nado livre
Bota o corpo para enfrentar a resistência da água e as ondas, proporcionando cargas naturais e trabalhando o ritmo cardiorrespiratório, o gasto calórico e o ganho de massa muscular. Mas deve ser praticado apenas por quem já sabe nadar.

Kitesurf
Semelhante ao surfe, com manobras acrobáticas e tudo, tem como diferencial a necessidade de manter o equilíbrio mesmo sendo puxado por um paraquedas. Podendo ser praticado em lagos e no mar, mesmo em água calma, exige bastante dos músculos.

Stand up paddle
Com a tradução literal para “remo em pé”, pode ser praticado no mar, rios ou lagos com água mais calma. Trabalha a musculatura do abdômen, com foco nas laterais e na lombar, além de aprimorar o equilíbrio e reduzir o estresse.